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Lina Mintz

caderno compartilhado

Começo meu percurso na residência artística do Mútua com a proposta de investigação de autorretratos e sobreposições dessas fotografias que trariam em si, questões relacionadas a contradições, encontros entre situações que se conflituam. No decorrer do processo, me deparo com o desafio de conciliar a produção do projeto com o processo criativo em si, que me demandavam maneiras de dedicação e presença que se contradiziam. Uma parte me pedia o estado de alerta, prontidão, responsivo e a outra a entrega, o silenciamento, o fruir. No período da imersão, é meu corpo que me desafia: adoeci e participei muito menos do que gostaria, tanto do processo da produção, quanto das dinâmicas do criar. Mas foi o que me permitiu um distanciamento e me fez perceber o cerne do projeto para mim. 

 

Mais do que qualquer coisa, os momentos de troca, conversa, diálogo e atravessamentos coletivos, são o que me movem a produzir, a propor experiências como essa. Desde 2013, quando realizo minha primeira experiência em arte e produção, A Mulher e a Raiz, o encontro entre mulheres vem sendo pautado como ferramenta de construção de conhecimento, de criação artística imagética e de significados. Essa residência aconteceu na Lapinha da Serra e a base da pesquisa era a troca com mulheres da cidade: lavadeiras, cozinheiras, parteiras, raizeiras, suas histórias e vivências. Nesse processo Renata me apresentou para Catarina e demos início ao percurso do Coletivo Naiá.

 

Antes de qualquer coisa, o Naiá foi espaço de compartilhamento e crescimento conjunto entre nós três. As pautas das nossas reuniões não se limitavam ao trabalho do coletivo, mas passavam por assuntos relacionados à questões de gênero, maternidade, arte, mercado de trabalho, objetivos de vida, dificuldades e opressões, planejamento de vida, relacionamentos, organização da rotina, amizades, segurança financeira, sonhos, objetivos e desejos, entre outros infindáveis assuntos e possibilidades de troca. Uma estava sempre auxiliando a outra em seus processos, fornecendo opiniões e sugestões em seus percursos, trabalhos e escolhas. 

 

O Mulheres em Círculo (mapeamento fotográfico realizado pelo Coletivo Naiá) veio do desejo de ampliar essa vivência para a troca com outras propostas formadas por mulheres. Ampliar o diálogo, conhecer outras realidades, entender outros formatos. Fomos ao encontro de 55 iniciativas que fortalecem mulheres na cidade, e mais uma vez, o ponto auge do projeto na minha interpretação foram os momentos que chamei de "café com bolo", nos quais levávamos um lanche, nos reuníamos em torno de uma mesa e conversávamos sobre os trabalhos desenvolvidos, as questões, dificuldades e melhores histórias de cada uma daquelas mulheres e propostas mapeadas.

 

O Mútua é uma desdobramento desse processo, agora focado nas mulheres das artes visuais mas que não perde o que há do convívio, do estar junto, do ouvir as histórias, contar as suas e se nutrir pelas trocas, pelas vivências e fazeres das demais artistas com quem compartilho o meu fazer. Foram encontros de muita abertura, confiança umas nas outras, desafios de produção, de encontro e conciliação de vontades e desejos, além de muitos aprendizados e possibilidades de expansão.

 

As narrativas de cada uma, se encontram e desencontram em diversos pontos, e dessa maneira vai se criando uma trama, uma costura, dando sequência ao saber mais antigo e duradouro, o saber oral, das histórias em volta do fogo, da prosa em torno da mesa. A narrativa de uma sustenta e desafia a vivência da outra, se alarga e se expande no processo, se encontra e se desencontra nas visões e experiências de mundo. Mútua é antes de tudo sobre isso: sobre convívio, reciprocidade e tessitura da própria história.

 

E o que a princípio me parecia 

incompatível por ser contraditório, se revela o que me move a continuar o fazer, produzir e viabilizar momentos de dilatação do tempo, da prosa lenta, de estar sem pressa e criar junto.

Lina Mintz é retratada da cintura para cima. Camiseta verde musgo, e colar prata. A artista sorri, branca, de cabelos pretos, ondulados e grandes, os usa soltos e de lado.

Fotógrafa e gestora cultural, seu trabalho é desenvolvido a partir do encontro, da criação conjunta com mulheres e realizações criativas diversas. Atua desde 2008 na gestão de grupos e coletivos artísticos culturais, adquirindo amplo repertório em processos compartilhados. Em 2013 inicia seu caminho com a fotografia, no qual investiga os corpos, as individualidades e potências das singularidades. Graduada em artes visuais, especializada em gestão cultural, é artista, curadora e coordenadora das atividades do Mútua, do Se Toque e do Makamba Brincante.

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